Famílias com crianças afetadas pela síndrome congênita em decorrência da zika questionam o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao projeto de lei (PL) que previa uma indenização e o pagamento de pensão vitalícia às vítimas da doença. No lugar do texto, o chefe do Executivo assinou uma medida provisória (MP) que estabelece um auxílio financeiro de R$ 60 mil, pago em parcela única.
Para as mães das vítimas, o valor é insuficiente diante do volume de gastos com medicamentos, cirurgias, exames, plano de saúde e outros cuidados que a condição demanda ao longo de toda a vida. Elas pressionam congressistas pela derrubada do veto. A expectativa é que uma sessão conjunta para análise dos vetos ocorra na segunda quinzena do mês, na semana de 14 de junho.
Entenda o veto
- O texto aprovado originalmente previa o pagamento de uma indenização por danos morais no valor de R$ 50 mil, além de uma pensão vitalícia de R$ 7.786,02 — equivalente ao teto do Regime Geral de Previdência Social.
- No entanto, o presidente vetou o projeto integralmente sob a justificativa de que a proposta “cria despesa obrigatória de caráter continuado e benefício tributário e amplia benefício da seguridade social, sem a devida estimativa de impacto orçamentário e financeiro, identificação da fonte de custeio, indicação de medida de compensação e sem a fixação de cláusula de vigência para o benefício tributário”.
- Em compensação, o governo publicou uma MP que estabelece o pagamento de um auxílio financeiro no valor de R$ 60 mil para crianças de até 10 anos.
O Ministério da Saúde não informou o número de crianças que passaram pelos procedimentos cirúrgicos, no entanto, indicou que tem realizado medidas de assistência às crianças afetadas pelo zika.
“O Ministério da Saúde, desde 2023, mantém diálogo ativo com as mães de crianças com SCZV, realizando reuniões regulares e adotando medidas a partir dessas demandas. Em Pernambuco, por exemplo, mais de 170 crianças foram avaliadas e 79 já foram indicadas para cirurgia”, indicou o ministério.
Auxílio não cobre gastos
Mãe de uma menina de 9 anos, Angélica Gonçalves de Oliveira, calcula que já desembolsou um total de R$ 78 mil desde o início de 2025. O valor foi usado para custear medicamentos, consultas com especialistas, suplementos, entre outros. Somente a adequação de uma cadeira de rodas às necessidades da criança ultrapassa o valor de R$ 3 mil.
“R$ 60 mil não cobre nem uma cirurgia de reparação óssea”, lamenta ela.
Situação semelhante enfrenta Driely Checcucci, de 35 anos. Ela descobriu a microcefalia da filha no nascimento, em 2015, um dos primeiros casos registrados no país. Desde então, tem se dedicado aos cuidados da criança, que, por conta da síndrome, não fala, nem anda e sofre com espasmos musculares.
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Driely afirma que tem um gasto mensal em torno de R$ 2 mil a R$ 3 mil e depende do suporte financeiro do marido, já que não tem condições de trabalhar. Ela também recebe uma pensão especial, paga pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), no valor de um salário mínimo.
“A deficiência dela não afetou somente ela, afeta a família como um todo. Eu deixei de trabalhar, eu não estudo, não me vejo mais como mulher, eu me vejo como uma cuidadora. Eu sou a cuidadora dela 24 horas por dia”, diz a mãe.
Fora os custos mensais, famílias ainda têm de lidar com gastos excepcionais no pagamento de cirurgias e equipamentos que proporcionam uma melhor qualidade de vida às crianças — e custam caro.
“Esses R$ 60 mil não pagam nem os nove anos de vida que a gente teve de gasto com nossos filhos, e muito menos dos anos que vão vir”, destaca Driely. “A gente escolheu ser mãe, não escolheu ser vítima. Essas crianças são fruto de uma negligência do governo, falta de saneamento básico. Eles poderiam ter erradicado esse mosquito”, cobra ela.
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Driely Checcucci e a filha, Denyelle Checcucci, de 9 anos
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Mãe lista os gastos com remédios e equipamentos necessários ao bem-estar da filha
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Famílias cobram derrubada do veto à pensão aprovada no Congresso
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Valor proposto pelo governo não cobre gastos, dizem mães
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Driely Checcucci e a filha, Denyelle Checcucci, de 9 anos
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“Cortina de fumaça”
O movimento do governo foi visto por associações de mães como uma “cortina de fumaça” para tirar do foco da discussão sobre a pensão vitalícia, que é a principal demanda, dez anos após a epidemia de zika. Os grupos articulam com parlamentares a derrubada do veto.
“Sei que tem o apoio de uma grande parte dos deputados e a gente estava nessa luta. Aí saiu essa MP ridícula, esse cala boca, essa cortina de fumaça e no dia da audiência pública para tratar da matéria para mostrar a importância de se ter uma pensão mensal, que é o que realmente resolve o problema”, critica Mila Mendonça, mãe de um menino de 9 anos com a síndrome.
“As pessoas que não vivem essa realidade não têm noção, mas não tem condições, não custeia, [o auxílio] tapa um pequeno buraco. R$ 60 mil, para grande maioria das mães, é para tapar o buraco. Buraco de empréstimo, todos estão endividados com empréstimos, com rifa, com vaquinha, para tentar sobreviver”, diz ela.
Articulação
A senadora Mara Gabrilli (PSD-SP) foi autora do projeto em 2015, quando ainda era deputada federal. Ela diz que já há uma articulação em curso para a derrubada do veto. “Desde o veto, estamos conversando com parlamentares de todas as bancadas, com a base do governo e com a oposição, para garantir os votos necessários. A próxima sessão do Congresso está prevista para 17 de junho, e até lá seguimos trabalhando voto a voto”, explicou ao Metrópoles.
A parlamentar disse que se trata de uma reparação histórica. “O governo não pode virar as costas para famílias que já foram abandonadas uma vez. Das mais de 3 mil crianças diagnosticadas com a síndrome congênita do zika vírus, apenas cerca de 1.500 sobreviveram. Não vamos permitir que elas sejam abandonadas de novo. Sigo ao lado das famílias nessa luta que ainda não acabou”, acrescenta.