Uma técnica inédita no Brasil para o estudo da conservação de tubarões e raias está sendo desenvolvida. A pesquisa no âmbito da biologia marinha da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) implementou uma tecnologia para analisar vértebras da espécie elasmobrânquios. Entre os seres desta classe, a raia-manteiga (só existe em águas brasileiras) e o tubarão frango, também conhecido como cação-frango, são objetos de pesquisa.
Com o estudo dos anéis etários das vértebras destes seres marinhos, os pesquisadores conseguem estimar sua idade, assim como o desenvolvimento e a taxa de crescimento dos animais ao longo do ano. Método de avanço significativo para os pesquisadores, a microtomografia computadorizada (Micro-CT) permite analisar esses seres marinhos ameaçados de extinção, de forma mais precisa e eficaz.
A tecnologia oferece radiação para revelar diferenças de densidade na vértebra e, em seguida, um modelo das imagens 3D é emitido, permitindo o estudo do interior da vértebra. Clara Velloso, idealizadora da pesquisa e estudante da pós-graduação em Ecologia da UFRJ, explicou que, antes do equipamento, utilizava a lupa, em um processo mais árduo.
“Para observar anéis etários utilizando a lupa, eu preciso cortar a vértebra ao meio. Na Micro-CT, a vértebra é irradiada inteira e fica intacta. Facilita muito a contagem de anéis etários, já que eles ficam muito mais nítidos comparado a lupa. Essa mesma vértebra pode ser utilizada em pesquisas futuras, para espécies em extinção”, explicou.
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raia manteiga
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tubarão frango
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radiação em 3D da raia manteiga
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raia borboleta
Material cedido ao Metrópoles5 de 5
Clara mexendo no dispositivo
O uso da tecnologia foi possível com a parceria entre o Laboratório de Biologia e Tecnologia Pesqueira (BioTec Pesca) e o Laboratório de Instrumentação Nuclear (LIN). As vértebras doadas para pesquisa foram cedidas por laboratórios parceiros e pela pesca artesanal, que às vezes captura o animal acidentalmente.
Por que estudar conservação de raias e tubarões?
Os tubarões e raias ajudam a manter toda a biodiversidade marinha, que fornece recursos para o ser humano. Se eles forem extintos, pode ocorrer um colapso na teia alimentar, culminando na extinção das presas, impactando diretamente na alimentação humana e nos ambientes de turismo marinho.
“Os tubarões e raias são predadores. Ao se alimentar, eles controlam a população de suas presas. Se um predador for extinto, as suas presas aumentam de número sem controle. Com o tempo, por causa da competição feroz entre muitas presas, os recursos para sobreviver, como o alimento, esgotam. Assim, as presas declinam consideravelmente e podem até se extinguir”, enfatizou Clara.
Esses seres marinhos ameaçados de extinção têm diversas características que os tornam vulneráveis a impactos como a sobrepesca e a poluição. A aluna de iniciação científica da UFRJ Paloma Barbosa Faustino estuda o cação-frango e fala sobre as expectativas em analisar a vértebra do animal com a tecnologia. “Essa espécie de tubarão é vivípara placentária, então ele gesta os embriões que já nascem formados. Logo, eles se tornam vulneráveis a impactos porque têm um tempo de digestão e uma prole pequena, com risco a extinção. Ele pode contribuir para estratégias mais eficientes de conservação da espécie”, disse.
Com os resultados preliminares obtidos na espécie da raia-manteiga e raia-borboleta, Clara ressaltou que as fêmeas crescem mais devagar que machos tanto em aquários, quanto na natureza. “Estimamos uma longevidade teórica na natureza de 34,7 anos para as fêmeas da raia-borboleta e 26,3 anos para os machos”, contou.
Urgências relacionadas a extinção
Em maio deste ano, a União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN) identificou a costa da cidade do Rio de Janeiro e a Baía de Guanabara como áreas importantes para a conservação de animais marinhos. Na costa do RJ, foram identificadas 25 espécies de tubarões e raias, incluindo as ameaçadas de extinção e de distribuição restrita.
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O professor do Departamento de Biologia Marinha do Instituto de Biologia da UFRJ Marcelo Vianna ainda alerta sobre as condições de extinção dos animais. “De acordo com a IUCN, estima-se que 1/3 dos elasmobrânquios estão atualmente ameaçados. Esse cenário também se reflete-na avaliação nacional (ICMBio), com cerca de 35% das espécies em categorias de ameaça e-outros 40% sem informações para que possam ser avaliadas”, disse.
Clara acredita que, para mudar esse cenário, é preciso que as autoridades se juntem às comunidades locais de pescadores e cientistas para determinar áreas de preservação marinhas eficientes. “Na Baía de Guanabara, por exemplo, já existe a Unidade de Conservação da APA da Guapimirim, que consegue conciliar a conservação com a população local. Esse tipo de iniciativa precisa ser expandida para batermos a meta estabelecida pela ONU de proteger 30% dos oceanos do mundo até 2030”, afirmou.
Participaram da pesquisa Clara Velloso, doutoranda no Programa de Pós Graduação em Ecologia da UFRJ; Marcelo Vianna, professor do Departamento de Biologia Marinha da UFRJ; André Vaz dos Santos, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR); Victor Rocha Carvalho, doutorando em Engenharia Nuclear, membro do LIN; Paloma Barbosa Faustino, aluna de iniciação científica do Laboratório de Biologia e Tecnologia Pesquiera, que está fazendo o estudo do cação-frango.